CAMINHOS LEVAM A BRASILIANA
Aqui estamos e, de fato, fizemos Boa Viagem entre os recortes das Folias e Ritmias do cancioneiro do Brasil. È isso meus amigos, traçamos uma rota e desenhamos nosso mapa. Estamos nos despedindo e a Mala do Folclore nos brinda com os ritmos Toré, Miudinho e Cantiga.
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Debret |
TORÉ – Retumba a Festa na taba dos
Araguaias. As fogueiras circulam a vasta Ocara e derramam no seio da noite
escura as chamas da alegria. Toda a tarde o Trocano reboou chamando os
guerreiros das outras tabas á grande taba do chefe. Era a Festa guerreira de
Jaguaré, filho de Camacan, o maior chefe dos Araguaias. No fundo da Ocara
preside o conselho dos anciões, que decide da paz ou da guerra e governa a
valente nação. Os anciões sentados no longo jirau contemplam taciturnos a
geração de guerreiros que eles ensinaram a combater, e tem saudades da passada
glória. Suspenso em frente deles está o grande arco da nação Araguaia, ornado
nas pontas das penas vermelhas da arara. É a insígnia do chefe dos guerreiros,
a qual Camacan, pai de Jaguaré, conquistou na mocidade e ainda a conserva, pois
ninguém ousa disputá-la. Ei-lo o velho chefe, embaixo do arco que sua mão
tantas vezes brandiu na guerra. Em pé, arrimado ao invencível tacape. Ele
dirige a Festa. De um e outro lado da vasta Ocara está a multidão dos guerreiro
colocados por sua ordem: primeiro os chefes das tabas; depois os varões; por
último os moços guerreiros. Vem depois os jovens caçadores que já deixaram A oca materna e estão impacientes de ganhar por suas proezas a honra de serem
admitidos entre os guerreiros. Mas para isso tem de passar pelas provas e sua
juventude não lhes consente ainda a robustez que tamanho esforço demanda. Todos
invejam a glória de Jaguaré que ontem era o primeiro entre eles, e hoje ali
esta disputando a fama aos mais valente guerreiros. Por detrás da estacada
apinham-se as mulheres, que se segundo o rito pátrio não podem ser admitidas
nas Festas guerreiras. De longe acompanham silenciosas com os olhos, as velhas
aos filhos, as esposas aos seus guerreiros e as virgens aos noivos. Exultam
quando ouvem celebrar as façanhas dos seus; mas não ousam murmurar uma palavra.
Entre elas está Jandira, a doce virgem, cujos negros olhos não se cansam de
admirar Jaguaré, seu futuro senhor. Já lhe tarda o momento de ver aclamar
guerreiro ao jovem caçador, para ter a felicidade de servi-lo como escrava na
paz, e acompanhá-la como esposa ao combate.
(José
de Alencar, UBIRAJARA, “Lenda Tupi”, cap.II, O Guerreiro, pags. 36 a 38, Rio de
Janeiro-1874).
MIUDINHO – Embora não haja uma
descrição detalhada de como o Samba-Divertimento praticado na sala de jantar na
casa de Tia Ciata, dados que emergem aqui e ali nos testemunhos existentes
corroboram a hipótese de que se tratava de um tipo de Samba-de-Umbigada. O fato
de que as testemunhas oponham, no interior do Samba-Festa, o Samba-Divertimento
ao Baile, é um desses dados, pois vimos em capitulo anterior que o termo foi
freqüentemente contra posto a outros designava Danças de Umbigada. Nos
depoimentos recolhidos por Moura, há outras indicações que fazem pensar nestas
últimas: por exemplo, alusões á roda e ás palmas dos assistentes. Outro dado é
o apego que os participantes demonstrava a suas raízes baianas, vista a
importância do Samba-de-Umbigada na Bahia, conforme as descrições de Carneiro e
Waddey entre outros. Parece legitimo supor que entre os vários laços que este
grupo manteve com sua terra de origem (religião, festejos, culinária), estava
também o Samba tal como era praticado lá. Mais ainda, mais importantes pra
corroborar a hipótese em questão são as poucas descrições coreográficas que nos
chegaram daquelas festas.
Assim, uma testemunha
diz que Tia Ciata “levava meia hora fazendo Miudinho na roda”. O Miudinho, na
definição de Renato Almeida, “É um dos passos do Samba Baiano. Eu mesmo tive
ocasião de ver, na Bahia, as mulheres o dançarem em Sambas-de-Roda”. Lili
Jumbemba, neta de Tia Ciata, nascida em l885, lembra que nos Sambas da sua avó
sabia “Sambar direitinho... arrastar graciosamente as chinelinhas na ponta do
pé e no meio de uma roda”. Compara-se com o que diz Gilberto Freyre sobre o
Samba Rural em Pernambuco no tempo da escravidão: “as mulatas com muito jogo de
quadris..., entravam num sapatear lúbrico e quase sem fim, com as chinelinhas
arrebitadas na ponta dos pés”. E ácrescenta Donga: “formava-se uma roda... no
centro, as pessoas sapateavam... dançava um de cada vez, com entusiasmo,
fazendo Samba nos pés”. A coreografia era pois executada no meio da roda, e seu
passo característico era o gracioso arrastar dos pés conhecido como Sapateado
ou Miudinho: na descrição de Waddey, “os rápidos e quase imperceptíveis
movimentos do pé (o “Sapateado”, também dito “Repinicado”,”Recorte” ou
“Miudinho”), que são quase os únicos movimentos corporais na coreografia do
Samba no estilo do recôncavo, quando executado na maneira devida”. João da
Bahiana nos dá outros elementos: “nós tirávamos um verso e o pessoal sambava,
um de cada vez... um saía para tirar o outro. Se fosse a “liso” era só
umbigada, mas se fosse para pegar “duro” já era capoeiragem.” A maneira como o
solista da coreografia escolhe o parceiro que vai substituí-lo cria a
subdivisão em “Samba Liso” (com Umbigada) e “Samba Duro” (ou Batucada, no qual,
como vimos, a Umbigada é substituída pela Pernada).
Todos esses elementos nos
permitem agora compreender melhor os dois sentidos em que a palavra Samba
aparece nos testemunhos sobre as Festas de Tia Ciata. No sentido mais geral,
ela designa a própria festa. É claro que nem todas as festas que na época se
realizavam no Rio de Janeiro faziam jus á denominação de Samba; Pixinguinha
fala de “Festas de Pretos” e Donga de “Festas das Bahianas”. Alargando um pouco
mais a idéia, podemos chegar á de “Festa na Casa de Pessoas do Povo”, e assim
voltamos a encontrar o conceito de Samba expresso por Alvarenga que havia sido
discutido atrás: “qualquer baile popular etc.”
No sentido mais restrito, porém. Ela
designa um dos divertimentos que tinham lugar nas festas dos baianos
transplantados para o Rio de Janeiro. Tratava-se de um Samba-de-Umbigo conforme
a definição de Carneiro exposta antes. Em que os Cantos e as Danças
apresentavam certas marcas de identidades afro-brasileiras. Ele era praticado
na sala de jantar, região da casa caracterizada por um grau maior de intimidade
e pelo acesso mais restrito.
(Carlos
Sandroni, FEITIÇO DECENTE, “Transformações do Samba no Rio de Janeiro
(l917-1933)” pags. 108 e 109, Rio de Janeiro – 2002).
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Foto by Matias Moreno |
CANTIGA – (...) “Nós escutamos Cânticos
e Sambas nos distritos de Gameleira, Jaguará e São José. Os motivos dos versos
são o espelho da vida que o caatigueiro leva. No lirismo, no amor, na saudade e
no trabalho, nos festejos e todas as espécies de atividades. O sertanejo canta
trabalhando, especialmente nas plantações; nos adjutórios, que denominavam
“Roubar o Boi”, quando rompia a madrugada. fazendo farinha, na novena; na
famosa e alegre “Bata do Feijão”; nas sentinelas; nos enterros de anjinhos, em
pungentes, desoladores momentos; em procissões e missas. Muitas vezes as
Cantigas eram chistosas, maliciosas e se prendiam a acontecimentos locais,
havendo ligeiras modificações de região para região. Ainda serve de motivo, o
modo de se processar o trabalho, o cuidado com as filhas solteiras, o respeito
para com os patrões e com suas sinhazinhas, com as vaquejadas. Contando
farromba, com motivações adequadas, muitas vezes aproveitavam um tema pra
revelar acontecimentos da esfera do próprio governo, que respeitavam inclusive,
incluíam notícias vindas de grandes distâncias, citando nomes internacionais.
Satíricas algumas, manhosas e sagazes outras, todas simples e modestas.(...)
(...) Tendo o cavalo, nos dias
de festa pode ir ao adro, montado, a mulher seguindo-o a pé, com os filhos nos
braços. Mas ali ele está pronto para tocar a sanfona, o pandeiro e a viola,
cantando em qualquer voz um improvisado Samba, no calor belíssimo de suas
músicas. Canta as glórias e os sofrimentos. (...)
(...) As mulheres, mais do que os
homens, cantavam ao lavar a roupa, cozinhar, ninar o filho, contanto que
cantassem. Sempre lhes chegavam fatos novos como o surgimento das marinetes.
Aproveitavam e juntavam-nos ao seu acervo musical. Sempre consideramos essas
Canções muito belas, na singeleza do nordeste.
Pelo que sabemos, no alto
sertão os elementos musicais antigos estão praticamente intactos e poderão ser
ainda captados, tão afinados como os originais, a televisão de quando em vez
apresenta algumas músicas deturpadas. Um Samba genuíno é qualquer coisa de
notável. Penetra-nos pelo olfato o aroma do velame, do alecrim, da caatinga de
porco. Etc.”(...)
(Gastão
Sampaio, FEIRA DE SANTANA E O VALE DO JACUIPE, pags. 108 a 109, Salvador –
1977).
CANTIGA – (...) “O cumpadre Serapião de
Antão, chegado há muito do Prado e que faz serestas nos terreiros das fazendas
com o seu violão, é música simples e cheia de sentimentos... desabafos do
coração; ternura.
Numa noite de
dezembro
No Natal ainda
me alembro
Me pediram prá
cantar...
E música é o caminhar faceiro da
cabocla com os pés no chão brincando de chutar o arenoso das estradas, levando
as tamanquinhas penduradas no dedo, para descansar os pés no longo caminhar, e
não gastar a sola dos calçados de usar nas ruas da cidade... barulheando compassado
sobre as pedras do calçamento.
O ruído baixinho que faz as águas do
rio escorregando no leito, ruidosa sobre os seixos e nos desvios das barreiras
de pedras, e quase em surdina quando desliza tranqüila sobre as passagens do
leito que é areia, deixando ver os peixinhos que transam sem destino brincando
de nadar; transparecendência; canto da alma do rio.
O canto triste da siriema ao cair da
tarde, que vai esfriando, á procura do companheiro retardatário, é musica de
solidão... cheia de amor e apreensão: - “o que fez o homem hoje?”.
As rezas e as Cantigas das rezadeiras,
nas novenas de fazer pedidos e agradecer graças recebidas; dos cochichos
reservados e das promessas das devotas procurando fazer algum acordo com o
Santo da sua devoção; tudo isto fica em mim gravado em forma de melodia ou
poesia da minha cidade encanto... sinto que sou mimimilionário; possuo tanta
coisa... (...).
(...) O beijo suave da brisa é melodia
nas folhas irrequietas dos eucaliptos, dos bambuais, dos pinheiros e das
casuarinas... também é melodia agressiva a defesa destas árvores e das palmas
dos coqueiros, das palmeiras, das bananeiras. Quando o vento sopra forte de
virada, sibilando e envergandando as mesmas sem piedade e avisando que vem
vindo borrasca... a tempestade não tarda a chegar; é melodia agressiva e
vibrante. – “O tempo virou... é vento norte soprando forte; vai cair toró”. (“...)”.
(Renato
Passos da Silva Pinto Filho, CRUZ DAS ALMAS DOS MEUS BONS TEMPOS, pags. 365 e
366, Salvador – 1984).