domingo, 25 de maio de 2014


Predestinados à Brasiliana



Estamos navegando em direção ao nosso Brasil, viva a Mala do Folclore. Viva os ritmos Samba Baihano, Modinha, Jongo Canção.





Arquivo pessoal



SAMBA BAIHANO – São Braz é o nome de um dos distritos do município de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo. Terra farta de alimentos que o mangue oferece, mas também morada de Sambadores de primeira linha. Um deles é seu João Saturno, mais conhecido como João do Boi desde quando se tornou vaqueiro, além de marisqueiro e agricultor. Mestre de Samba Chula, Seu João do Boi já completou 65 anos. Teve pai Sambador, mãe Sambadeira e quando se juntava com os irmãos, todos Sambadores, “gritava” Samba por horas, dia e noite a dentro. Curioso, é que criança, o pai e a mãe não permitiam que o Mestre fosse para o Samba. “É que dava muita briga no Samba. A gente ia escondido espiar como se gritava e se tocava no Samba... apendemo pela cabeça da gente mesmo”. O Mestre conta que só foi autorizado pelos mais velhos a tocar quando surpreendeu o pai tocando e “gritando” Samba como gente grande. Seu João do Boi diz que no Samba canta o que guardou do pai e dos Sambadores antigos, mas cria muita coisa na hora. Quanto mais Samba, mais se inspira e é capaz de fazer qualquer mulher, mesmo aquela que não sabe Sambar, entrar numa roda. Lamenta, quando diz que antes no São Braz quase todo sábado tinha um Samba, mais agora o pessoal “entrou na lei de crente e o Samba de antes acabou”. Temente a Deus, porem Sambador fiel, Seu João do Boi diz que não reza nem para Santo Antônio. “Se eu rezar, eu num Sambo, meu negócio é Sambar, tenho muita prosa, quero morrer Sambando”. 
(Ari Lima e Katharina Döring, MESTRES DA CHULA, “Região da Chula e da Cana”, Salvador – 2009).



 MODINHA – O “Baiano”, Cantor então muito conhecido através de suas gravações na antiga “Casa Édson”. Á Rua do Ouvidor – Rio de Janeiro, esteve, em l927, nesta cidade acompanhado de sua madame, que se dizia a “Baiana”, também Cantora.
                       Os Maragojipanos gostaram sempre de Poesia, Cantares e Serenatas, de sorte que os “Baianos” foram aqui bem recebidos. Esgotando o seu repertório, bisaram-no depois, com platéias regurgitadas.
                       Conquanto houvesse reiteradas despedidas deles, ficaram ainda em moda, na cidade, meses após meses, suas Canções e Cançonetas, que entusiasmaram o auditório: “Homem de Pulseira”, “A La Garçonne”, “Minha Caixinha”, “Ouvindo as Ondas”, “O Sinal de Bela Iaiá” e outras.
                      Por vezes, recordo-me do velho Marcelino Rocha, que não faltara a um só daqueles espetáculos e, deveras atento á melodia da “Ouvindo as Ondas”, a cada vez cantada no palco pelo “Baiano”, arrematava Marcelino, na platéia, com um suspirado “muito bem”...
                     Há por aqui Seresteiros que, ao luar e aos sons de plangente violão, cantam o seus males, as paixões incontidas, com o pensamento na Dulcinéia indiferente e, talvez, de coração mais frio que o álgido luar de nosso querido agosto.
                    Houve um sui generis, que sozinho fazia suas Serenatas de vitrola. Se não sabia cantar, que por ele cantassem Gastão Formenti, Chico Alves, Vicente Celestino.
                    Certa noite, quando o autor destas linhas morava á Rua de Santana, a atual Barão do Rio Branco, despertaram-no magoados Cantos de Menestrel. Junto lhe ia um companheiro que, soltava com todas as veras da alma, um “bravo” arrastado e solene aos versos mais sentidos! Era um extravasamento nostálgico gemido ao palor da lua! A lua! Que foi sempre a fascinante moeda com que a Noite adquire poesia e murmúrios aos românticos...
                    Conheci um Cancionista que, de surpresa, se apresentava em quase todas as festas da localidade, e quando, á noite, se achava em qualquer esquina da rua quieta, dava largas á sua vocação de Patativa. Era fã de Catulo, o cearense do Maranhão. Chamava-se Durval, o Seresteiro. Quando lhe a voz enrouquecia aos repetidos gorjeios boêmios, degustava um ou dois quiabos, verdinhos, recém colhidos ao arbúsculo e, sarado da rouquice, continuava a sua missão de sonorizar a noite, romantizando o silencio.
                    Também uma das vozes amigas da cidade, era a do Otacílio Marinho, que mantinha pose brejeira á Lovelace. Antes de soltar a voz, tinha os seus modos janotas, a arrumar o laço da gravata colorida, o lenço azul no bolso ao peito, a flor rósea da lapela, o alvo chapéu do Chile. Aprumava-se todo, pigarreava e, afinal, a voz saia, um tanto obrigada, de inicio, e, a seguir, entrava seguro em modulações pedantes.
                    Dizem que uma vez o Otacílio, envergando roupa de brim, teria sido convidado a uma festa em Najé. De logo, todavia, não aceitara o convite, ponderando, então:
                    -  Eu?... Ir a Najé, agora, de roupa de brim? !... Com quem é isso? Não vou. Não vou porque as filhas de Constantino estão lá!
                    O Otacílio não tencionava decepcionar as mocinhas suas admiradoras, simplesmente enfatiotado de brim. Os trajes, os modos, a flor á botoeira, sem dúvida, promoviam deveras a influência pessoal.
                    O inédito, porem, é que, na cidade, se realizou uma Seresta em noite sem lua e de muita chuva.
                    Foi o autor da façanha o Newton Melo, que delirava de paixão por certa moreninha de olhos célicos e fala melíflua.
                   Desentenderam-se os enamorados, e, a desoras, muniu-se ele de sua flauta e rumou á porta da bem-amada. Chovia a cântaros e Newton soprava doces acordes de seu instrumento. Acompanhava-o a chuva tal com um tamborim. A desalmada nem por isso o espiou sequer pela fresta mais exígua de suas janelas. Ria-se, talvez, de sob o cobertor, da triste figura do apaixonado, molhado e aflito, dedilhando no instrumento os gemidos do coração.
                   Vendo-o naquela deplorável situação, ponderou-lhe um amigo:
                 - Não está sentindo a chuva, Newton?... Acaba você saindo daí frio feito um defunto!
                 Mas lhe retrucou o gemebundo flautista:
                 - Ora, você é bobo mesmo... Não vê você então que estou calçado de galochas?!. 
(Osvaldo Sá, MARAGOJIPE HUMORISTICO, “Seresteiros”, cap. XIX, pags. 79 a 81, Salvador – l978). 




Arquivo pessoal
Foto by Ana Maria



JONGO CANÇÃO - Seu Aniceto nasceu 24 anos depois da abolição da escravatura. Fundador do Império Serrano, considerado um dos maiores partideiros do Brasil, usa português castiço e numera suas páginas em algarismos romanos.        
         O que Seu Aniceto - hoje com 72 anos - conta, os pesquisadores confirmam numa bibliografia muito pobre, mas com explicações, argumentos e até justificativas cientificas. O Jongo desenvolveu-se no meio rural; nas fazendas, os escravos cantavam, através de metáforas, geralmente avisando da aproximação do “Sinhô”. Um fazia o solo e os outros respondiam.
         Das manhas e tarde nos cafezais e canaviais, o Jongo passou para as noites, nos terreiros. Mas, para que isso fosse possível, os negros “mandigavam”, pediam ajuda a seus mortos para que na Casa-Grande todos caíssem em sono profundo. Depois agradeciam, cantando e dançando. Mas só ate o sol raiar, sem ninguém interromper.
         O Jongo pertence às Almas Santas e Benditas. É religioso e perigoso. O Jongo mata, diz Seu Aniceto, guardando até hoje o respeito ás crenças, e misticismo de seus antepassados. Para ele, o Jongo só pode começar à meia- noite, com velas e oferendas (bebida e comida) a Exu e as Almas, num Terreiro com uma fogueira no meio. “Os Jongueiros vestidos de roupa branca de alva (cores claras) devem estar de pés descalços, em contato com a terra”, “a fonte de tecido e quem nos espera para acolher”, como sinal de respeito,” porque criança é irresponsável”, e os leigos devem ficar de fora.
Leigo - diz Seu Aniceto- Só entra no Jongo por Petulância, Audácia ou Ignorância. Assegura Seu Aniceto que em seu tempo já não havia escravos. Não era mais preciso conversar através de metáforas, nem de “mandigar” para os senhores dormirem profundamente, como que enfeitiçados. Mas as Almas continuavam a ser louvadas, solicitadas e agradecidas. Elas eram os Pretos Velhos e escravos depois de muito sofrimento. A elas, toda devoção e respeito dos sobreviventes.
         E no inicio do século, não havia dia santo em que a comunidade negra não se reunisse para Jongar. O Jongo maior era sempre no dia 13 de maio, comemoração da abolição. Ao mesmo tempo em que se distraiam cantando e dançando, louvavam as Almas.
        Á meia-noite começava o Jongo, num terreiro ou fundo de quintal iluminado por uma fogueira e talões de bambu e querosene. Os Jongueiros de roupa branca ou alva e pés descalços. Lá estavam as velas pra as Almas e a bebida e comida delas e de Exu. Antes do primeiro Canto, a saudação do dono da casa e o toque de três tambores: Caxambu, Candongueira e Angomapita. Assim, tudo acontecia nas primeiras décadas do séc XX.
         Alguém começava um Ponto, uma musica. Como no tempo dos escravos. A letra era toda em metáforas. Em vez de conversa, tinha tom de Desafio. O Solista ia cantando seu improviso ate que o outro Jongueiro descobrisse o que ele estava dizendo, ou seja, desamarrasse o ponto em linguagem de Jongo. E para responder gritava:” machado” ou “cachoeira” as duas palavras que terminavam um ponto. Respondia ao Solista e começava um outro canto.
         Na roda, girando em volta da fogueira, no sentido contrario ao dos ponteiros do relógio o que pra os cientistas significava a volta do passado os outro Jongueiros dançavam com amplos movimentos do corpo. Um homem ou uma mulher ia para o centro da roda e começava a evoluir, geralmente em frente a alguém de sexo oposto convidando para a dança. O casal fazia então uma espécie de disputa de passos um querendo sobressair-se ao outro e em dado momento se aproximavam como que dando uma Umbigada.
         Mas esse Jongo não era só Canto e Dança. Os Jongueiros formavam uma comunidade, onde todos se conheciam e se respeitavam. E, no desafio dos Pontos, “amarrar alguém” podia ser uma espécie de agressão. Seu Aniceto conta muitas histórias de gente que ficou como enfeitiçada por causa do Jongo. Uma delas é a de um rapaz, na roça, que não ouviu os conselhos do pai e foi Jongar. Dias antes, o pai amarra, numa roda de Jongo, dois velhinhos muito amigos. E naquele dia, o rapaz, seguindo o som do Candongueiro, foi parar justamente numa roda onde estavam os dois velhinhos. Antes de sair de casa o ai já previra o que ia acontecer e prevenira o filho: “Se você Jongar você morre”, conta Seu Aniceto na linguagem de caboclo.
E depois de muito Jongar na roda dos velhinhos o rapaz saiu andando de quatro, arrancando grama com a boca, até cegar na estrada e cair. De madrugada, quando ainda escuro, os roteiros saíram para apanhar água  na fonte e trabalhar, deram com o rapaz e avisaram o pai. Este respondeu que já sabia, mas não saiu de casa enquanto o sol não raiou. Quando isto aconteceu, se aproximou do filho e disse:
 “-Levanta muleque e toma bença a seu pai.”
         O rapaz obedeceu e ainda ouviu: “Eu num falei cum susê?” E Seu Aniceto explica: “È que o pai não dormiu a noite toda, segurando a peteca. Por isso, ele não sucumbiu.”
         Para Seu Aniceto, o Jongo ainda é o mesmo do inicio do século. Ele não aceita, não acha correto chamá-lo também de Caxambu, como é mais conhecido no interior de Minas. Hoje em dia, inclusive,alguns Jongueiros e Estudiosos distinguem uma coisa da outra, chamando de Caxambu ao lado folclórico de dança e musica de Jongo, sem a religiosidade e misticismo. 
(João Batista Vargens, NOTAS MUSICAIS CARIOCAS, Valeria Fernandes, “O Jongo no Rio de Ontem e Hoje”, Petrópolis 1986).

Até breve queridos amigos, fiquem conosco em nosso endereço :
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